28 de maio de 2006

Sem dedos

O mal do coração é não ter dedos.
Se os tivesse, a mágoa não teria de passar pelo cérebro. Nem pelos olhos. Ser-te-ia entregue cada arranhão, cada nódoa-negra, cada amolgadura e eu não precisaria de ir à procura das palavras que me doem só para te poupar o esforço de as encontrares sozinho.

Espero-te por hábito, placidamente. Num mundo de instantes que faço permanecer, na falta de saber o que mais fazer com eles. Numa incerteza de esboço, mais que preparada e nunca pronta, como as viagens excessivamente planeadas. E se ainda acredito é porque aprendi a ver em ti para lá dos gestos, das palavras e dos resultados. A semente e não o fruto. Mas sobram-me demasiados momentos. Em que não te basto e não me chegas, que o mal do verbo dar são as armadilhas do termo retribuir.

Ainda assim adormeço nos teus braços esta noite. Fechada como uma caixa, onde tudo se guarda, se confunde, se esconde. Onde tudo fica mas nem tudo cabe.
Acorda-me amanhã devagarinho. Quente e brando como um dia de Verão. E quando tiveres de abrir a tampa, fá-lo com cuidado porque terás de a abrir com mãos. Que o mal do coração é não ter dedos.

5 comentários:

Noggy disse...

Já passei por muitos blogs...mas tu tens verdadeiramente o dom da palavra.
Acredita.
Apesar dos posts serem raros são de enorme qualidade.
Continua.
**

Anónimo disse...

Amiga kerida continuo em falat pq ainda n consegui ler tudo...
Adorei este!! =)

ricardo disse...

oi.
escrevo-te para te dizer que escreves muito bem.
;)

ps-para qdo um novo post/conto?

Unknown disse...

Um texto belíssimo.

Ás vezes há boas ideias que não encontram prosa à altura, por inabilidade do autor, e isso quase sempre distingue a excelência das boas intenções. Tu conseguiste até agora manter o nível dos teus textos muito, muito acima da mediania. E creio que vais continuar a conseguir!

Anónimo disse...

Estou a ler-te há mais de uma hora e não me canso...