26 de fevereiro de 2008

Uma história para contar

Invariavelmente retorno aqui. Comecei por vir à tua procura. Depois à nossa. Agora move-me somente a solidão constante de não me sentir melhor em nenhum outro lugar.

Tenho nas mãos apenas uma história, que monto e desmonto como um jogo de leggos. Uma história que eu não queria ter para contar. Que fala de coisas tristes como a perda e de outras, mais tristes ainda, como a resignação. Eu queria contar uma história de amor. De um amor simples e fácil como as contas de somar e leve como um papagaio colorido de papel. Ao invés trago nos dedos as páginas desfolhadas da desilusão. Pouso-as aqui para que passem, não como um contágio mas como uma transfusão.

E assim regresso, sistematicamente. Com um ramo de flores nos braços e a determinação obstinada de não chorar. Mesmo quando o vento sopra todas as canções e as memórias, de mãos dadas, se põem a dançar à minha volta. Mesmo quando tenho de fechar os olhos com toda a força. Mesmo quando nada me alivia e tenho a alma às grades como uma gaiola vazia. Aprendi a ser também os meus fantasmas. E a voltar aqui.

Subo portanto sozinha a este palco de mármore e basto-me. E sofro porque me basto nesta quietude de túmulo entre o estar além da vida e o ainda andar por cá. Desapaixonadamente imune e indiferente. No desinteresse predador do vampiro a quem os outros só importam na medida em que constituam alimento. Um desapego que enfeitiça e subjuga e cativa como quem conquista territórios. Mas nunca aceito as oferendas que me colocam aos pés. O que não tiro, nego, que receber é como dar: uma forma de amor.

E represento por esta história afora, sobre as lajes e os tectos dos mortos, dos vivos e dos assim-assim, os infelizes e os solitários. Os que perderam. Ariane, Teseu, o Minotauro e mais que todos os outros, numa solidão mais funda, mais arreigada, ingénita, o labirinto. De pedra e pó e passagens sem destino. Deliberadamente intransponível, ondulante e indecifrável. Às mãos de Dédalo ou de Deus. Às minhas mãos.

Por isso não me procurem caminhos, que eu não posso passar. Chame-me o amor absoluto. Chame-me o poema mais triste. Chamem-me as promessas felizes, as esperanças e os amanhãs. Não os oiço. E não avanço. Algures entre o não querer e o não ser capaz.

E é assim que invariavelmente me deixo estar aqui, placidamente atormentada. Por entre os meandros amargurados desta história sem enredo, sem personagens, sem desfecho. Uma história sobre já não se ter nada para contar.