17 de janeiro de 2007

Contar as horas

Contar as horas. Cada hora que passa e nos afasta. Mesmo quando sei que as horas que nos afastaram realmente já passaram há muito e não as contei. Porque o faz-de-conta me bastava. O teu disfarce. A minha ilusão.

Contar as horas, inimigas e aliadas, como um autómato. Entre movimentos repetidos, que cumpro como tarefas, e recordações. As que mais me magoam são as que mais vezes relembro. Aliadas e inimigas. Como as horas.

Lembrar-te em cada hora. Mais. Atormentar-me. A tristeza a vir ao mesmo tempo de dentro como um cancro e de fora como uma invasão. Uma tristeza física, que me macera o corpo inteiro, me corrói por dentro e me queima a pele. As lágrimas que não choro a correrem-me nas veias aos gorgolões. As que choro a caírem-me no colo. O meu corpo inteiro, água, sal e minerais. Este corpo que guardei à tua espera e que já não sabe nada além de te esperar.

A alma no chão. Esborrachada. Eu sem forças para a apanhar a deixá-la ficar, suja, destroçada, mendigante, à espera da tua mão para se levantar. A minha alma sem-abrigo, sem me caber no corpo, sem ti.

Algo me mata um pouco a cada minuto. A imensidão atroz da tua ausência, definitiva como a morte. A vergonha. A auto-comiseração. O peso insustentável da verdade, implacável, impiedosa, predadoramente feroz. A desilusão. A culpa. O ter de te deixar amar livremente, noutro amor que não o meu. O ter de. E sobretudo o teu amor feliz, fresco como as flores, carnal, intenso e leve. Que não me pertence.

Havia nos teus olhos um buraco fundo que o amor que me tinhas deixou quando se foi. A passar despercebido sob o manto invisível das mentiras, dos segredos, da sordidez misteriosa dos gestos calculados. Depois de desvendado fica apenas o buraco. Trago-o agora no peito, onde o coração bate como murros. O buraco de um amor que não existe a consolar o meu que, apesar de tudo, não consegue deixar de existir.

Conto portanto as horas. Certas. Disciplinadas. Seguras. E recordo. A carregar este amor sem destino como um cadáver às costas. Sem saber onde o pousar. Ou como. Ou para quê. Carrego-o apenas. Nesta covardia esperançosa que me impede de me fazer coveiro e nesta vontade, autónoma de mim, de morrer com ele. E poder deixar de contar horas. E de me lembrar de ti.