25 de novembro de 2009

Penélope

Sou como toda a gente. Um somatório de candura e cicatrizes, esperança e desilusão. Coisas banais, medos e defeitos. Feita da costela de Adão, ADN e pó de estrelas.

Tenho no sangue esta teimosia de ser árvore em vez de pássaro. De ficar. Mesmo quando chega o Inverno e os ninhos se abandonam nos galhos. Na dignidade inabalável das coisas imóveis. Ainda que no chão macio das folhas caídas haja pés que pisam e mãos que recolhem.

Aprendi a absorver a ausência e a preenchê-la de coisas supérfluas. A não ligar. A conhecer os sintomas do desassossego – dúvida, angústia, revolta – e deixá-los penetrar-me as narinas num cheiro forte a resina até se dissolverem na corrente sanguínea. A esperar sem desespero. Sem pressa. No tempo das árvores.

Também tenho dias tristes. E noites brancas de insónia, ansiedade e espaço a mais na cama. Mas tenho tardes mornas de flanela e chá com mel. Retalhos da manta de Penélope. E a certeza absoluta que tudo é volúvel. E mais vale estar quieta. Num (no) lugar certo.

Por isso, se te quiseres ir embora, lembra-te que tenho no sangue a seiva das árvores. E o hábito enraizado de não ceder às tempestades. E que aprendi o tempo e a impassibilidade das coisas que ficam mas sei pouco de jornadas. E de rotas. E de geografia.

E que mesmo que vás, eu fico. À espera. Do fim do Inverno e do regresso dos pássaros.