2 de março de 2010

Palavra-chave

I
Ele pergunta-me o que fiz, onde andei, o que tenho par contar. Somas. Lugares. Momentos. E eu não quero dizer: “Pedro, não sei”. Porque ele vai responder-me que o tempo também passa quando não gastamos.

II
Somos um compêndio de palavras. Sabemos dizê-las e usá-las. Vendê-las quando é preciso. E às vezes dá-las apenas. Como um presente invisível.

O que eu sei fazer com as minhas mãos é muito pouco. E deveria conhecer muitas mais coisas. Saber muitas mais palavras. E o que significam.

Mas sei fazer conjuntos com as palavras que conheço. Arrumá-las como gavetas, ordenadas e lógicas. Conjugá-las e fazê-las condizer, como um designer de moda às peças de roupa. Construir edifícios inteiros, com as palavras empilhadas como tijolos, certas e consistentes. E morar lá.

Somos o que somos por causa das nossas palavras. E cada palavra nossa é um pedaço de vida que escrevemos.

(As que não dizemos em voz alta e que formam os nossos pensamentos. As que guardamos porque foram importantes (mesmo que a razão de ser já não o seja). As que usamos todos os dias, repetidas, gastas, socialmente aceites, obrigatórias. As que oferecemos, com um sorriso, um toque no ombro ou um piscar de olhos - as mais deliciosas. As que mentimos porque são fáceis e as que procuramos porque são verdade. As que escolhemos não dizer e ficam ali, a pairar-nos nos olhos e no silêncio.)

III
Quando ele me perguntar, hei-de dizer-lhe das palavras. Da minha soberba pelas que sei e da minha vergonha pelas que finjo saber. Das que atiro como pedras e das não dou porque não tenho tempo ou paciência. Das que gasto porque não digo, à espera de um momento que nunca sei qual é e nunca vem, desperdiçadas em mim - as mais tristes.

E hei-de dizer-lhe que as amei, a quase todas. E que morri a procurar as que melhor diziam a verdade.

Espero que isso baste para que ele me abra a porta.