29 de julho de 2006

Reina nos meus dias...

Reina nos meus dias a densidade surda dos espelhos
na qual em cada dia se reflecte o outro.
Nela me acho
e perco
e em mil reflexos sou
e torno a ser.

E ponho-me à janela a ver passar o tempo
viscoso como as horas
pegajoso e lento
e tento
comandar exércitos
construir muralhas
determinar os deuses e as leis
que calem o silêncio dos meus pensamentos.

Mas nada vence o ser-se

além talvez do sonho.
E eu sonho
que um dia o verbo ser embata contra um espelho
e se reparta, dividindo em mil pedaços
mil possibilidades
mil hipóteses de existência
o ser-se o que se é que reina nos meus dias.

De mãos vazias

Trago nos ombros o peso dos teus beijos
de canela, ruído e maçapão
e nada além do peso tenho desses beijos
incertos, confusos, voláteis
feitos de ausência e de recordação.

Mas chegas.
E apesar de tudo
dou um jeitinho e encosto-me
para te dar um espacinho na minha solidão.
É tudo quanto tenho para te dar.

E mostro-te
os ombros nus em carne viva dos teus beijos,
as mãos feitas areia e alvoroço
a segurarem em concha
a vontade de me abrir como uma flor,
e o medo
de que te vás alargando nesse espaço que te dei
e eu nessa solidão roubada que era minha
já não tenha lugar.

E explico-te
que a minha solidão sozinha a cavalo nos meus ombros
onde pousaste o peso dos teus beijos
é só o que possuo para dar a quem vier.
E tu vens de mãos vazias.