10 de janeiro de 2006

Somos

Somos como as plantas que se dão:
um ramo arrancado à espera da terra
a criar raízes num copo de água.

Somos os que ficam, os que fazem figas,
os que conservam os sonhos e nunca desistem,
os que estoicamente aprenderam a esperar
e se limitam a fazê-lo.

Somos o movimento de um evoluir inerte.
Os que vão, sem fome,
a trincar o tempo como se comessem
desinteressadamente
uma maçã.

Espero-te com a força do hábito
num desespero imperturbável
meu como a morte e como a morte
insuportavelmente paciente.

Porque sou dos que esperam,
entre a maldição, o dom e o desperdício,
nesta tristeza entediante
de ir ancorando a vida
com os meus próprios pés.

7 comentários:

Unknown disse...

É raro haver um poema que me diga tanto sobre mim mesmo como este diz, apesar de não ser sobre mim. E ainda por cima, tão bem escrito.

"Somos como as plantas que se dão:
um ramo arrancado à espera da terra
a criar raízes num copo de água."
Fantástico!

E também, não me canso de o dizer, é raro encontrar um poeta ou poetisa com tanta qualidade, e cujos poemas me digam tanto como os teus.

Desejo-te um óptimo 2006!

Mirabilis (ou Sherazade) disse...

Gatinho desaparecido, por onde anda vocemessê que não aparece em lado nenhum? :)

O poema não é bem sobre ti mas é sobre nós e no fundo somos todos parecidos (o mal talvez seja esse)...

E obrigada por me vires sempre ler e por o fazeres com tanto cuidado e coração. És o meu leitor preferido. ;)

Primeiros beijinhos de 2006!

Noggy disse...

Tens um talento extraordinário :)
Parabéns :)

***,
Noggy

Unknown disse...

:S

Não será este o melhor lugar pra responder, mas sente-te à vontade para apagares este comentário. O que se passa é que andei ocupado com a vidinha académica, sem tempro pra coisa nenhuma. Pelo menos para nada realmente importante. Mas, apesar de não escrever, tenho (aqui) lido.

Agora vou ver se volto a escrever uns disparates no meu blog, a ver se continuo a ter, imerecidamente, mais visitas do que tu!

Um beijo, Sherazade!

BookOwl disse...

Está óptimo.
Gostei especialmente a terceira estrofe:

"Somos o movimento de um evoluir inerte.
Os que vão, sem fome,
a trincar o tempo como se comessem
desinteressadamente
uma maçã."

Disse-me algo...


*** *** *** *

Anónimo disse...

"Porque sou dos que esperam,
entre a maldição, o dom e o desperdício,
nesta tristeza entediante
de ir ancorando a vida
com os meus próprios pés."

Sou eu neste momento...

OGC disse...

Só gostava de saber quem sou eu neste momento...
Gosto de acreditar que o meu tempo tem um destino, para além das inúmeras "trincadelas" que todos lhe damos... No entanto, não posso deixar de admitir os meus momentos de inércia divina...

Parabéns.