6 de agosto de 2008

(Re)capitulação

Sempre gostei de espaço. Do meu lugar. Redondo e sossegado (um berlinde no chão, um planeta no universo) a girar ao meu ritmo e à minha velocidade. Como gosto de tempo. O meu tempo. Quieto, circular, fraccionado em durações determinadas (o tempo de um cigarro, de uma música, de um programa de televisão).

A liberdade é, para mim, essa serenidade de estar placidamente no colo da alma. Longe de escolhas, actos e consequências, críticos e conselheiros, segredos e juízos de valor. Como passar a noite sozinho, no quarto de hotel de um país desconhecido, com o do not disturb pendurado na porta.

Entraste na minha vida sem me invadires o espaço, sem me cobrares que me encostasse um pouco para poderes caber, sem me obrigares a quebrar o silêncio e a povoá-lo de vozes estridentes e diálogos inúteis.

Longínquo. Geograficamente inatingível. Sem qualquer transtorno ou consequência. O meu dia-a-dia a manter-se seguro e imutável. O teu também.

E pediste-me apenas que me sentasse junto ao teu silêncio e te desse a mão. Porque a morte tinha guardado em ti uma ausência mais profunda que qualquer palavra. Que ficasse perto enquanto estivesses perto.

E o amor veio, paulatino e simples, num engatinhar de criança. A esconder-se atrás de um beijo de “até manhã”. A espreguiçar-se ao acordar, entre a tua mão e o meu seio. A sorrir, divertido, quando imitávamos com ar semi-sério os guiões dos filmes (i love you more). A adormecer no teu pescoço, por entre a confusão dos meus cabelos, depois de feito (no vão das tuas escadas, numa pensão barata, num carro emprestado, no meio da rua).

Sempre acreditei que me passasses. Quando te foste embora, tinha a certeza que depois da mágoa, da dor de corno e do orgulho ferido, da saudade e da solidão, viriam o sossego e a indiferença. E que outro qualquer ocuparia o teu lugar.

Porque hoje entendo. Que um dia cresceste e eu não estava lá. Para te ver. Para aprender as mudanças, as novas circunstâncias, as razões, os sonhos e os objectivos. Que o teu amor tinha de pertencer a quem fizesse parte do teu mundo. E eu não fazia.

Compreendo hoje que não tens culpa, que eu não tenho culpa, que ninguém tem. Mesmo se às vezes te culpo (pela falta de carácter, pela longa e demorada e amplamente extensa dissimulação). E me culpo (por não ser, por não ter sido, por não ter culpa).

São estas as palavras que tenho para te dizer e não te digo quando às vezes ligas e trocamos banalidades sobre coisas triviais.

Que se o mundo fosse redondo como a íris dos olhos, serias a luz. Toda e qualquer forma de iluminação. Da mais científica e eficaz fonte de energia ao brilho delicado de um simples pirilampo.

E que sem ti estou bem mas às escuras.

E que só tenho pena, muita pena, que não passes.

2 comentários:

Kleoptra disse...

Vai passar... =)

Anónimo disse...

"Porque a morte tinha guardado em ti uma ausência mais profunda que qualquer palavra"
Parece q n foi so a morte que deixou uma ausencia humilhantemente dura de carregar